Associação Cio da Terra diz que poder público não tem feito nada; cessão de uso da terra será votada semana que vem, informa Rossini

Horta Itajai FaceFoto: Divulgação | página do Grupo público Horta Comunitária do Parque Itajaí

Texto atualizado às 16h30 (*)
A Secretaria Municipal de Assistência Social anunciou esta semana que as hortas urbanas passam a fazer parte de um novo programa de Segurança Alimentar, o Campinas Solidária e Sustentável. Cerca de 45 áreas de cultivo serão integradas ao programa, entre elas a Horta Comunitária do Parque Itajaí.

Para a Associação de Produtores de Agricultura Urbana e Periurbana de Campinas e Região - Cio da Terra, responsável pela Horta do Itajaí, seria muito bom que a Prefeitura desse algum apoio, mas isso ainda não se mostrou na prática:

"Depois de anos, a Associação Cio da Terra lutando e mostrando para Prefeitura como é que se faz, será que agora a Prefeitura vai ajudar os agricultores urbanos na sua produção de alimentos saudáveis e agroecológicos?", pergunta o atual presidente da Cio da Terra, Marcos J. Oliveira, destacando que a horta não faz só a produção de alimentos, também gera emprego e renda, cuida da proteção ambiental e funciona como terapia ocupacional para alguns dos membros das 15 famílias que fazem parte da Associação.

Uso da terra
Uma primeira necessidade da Horta Comunitária é a aprovação do projeto que faz a concessão do direito real de uso da terra para a Associação Cio da Terra. Sem esta regulamentação, não há como fazer convênios. A Horta do Itajaí é a única em Campinas que tem registro no Incra. Esta cessão de uso está sendo aguardada, segundo a Associação, desde 2018.

Orlando Batista dos Santos, nutricionista e primeiro presidente da Associação Cio da Terra, conta que, em 2010, com o convênio firmado entre a Prefeitura e o Incra, foi proposta a concessão de uso do espaço para a Associação recém fundada. Como houve problemas para regularizar a documentação da Associação de Produtores, a cessão de uso foi feita para a Associação de Moradores do Parque Itajaí 4.

A validade da concessão de uso foi de 10 anos, de 2010 a 2020, "mas só que, bem antes disso, a associação de moradores abriu mão dessa concessão de uso em favor da associação de produtores", lembra Orlando. Em 2012, a Cio da Terra conseguiu regularizar o seu registro, mas o direito de uso da terra ficou com a Associação de Moradores até 2018, segundo Orlando, quando foi feita toda a documentação para a tansferência.

Como esse processo não andou e venceu a validade da concessão, a Asssociação Cio da Terra solicitou da Prefeitura uma nova concessão de uso. Este é o projeto que chegou a entrar na pauta da Câmara Municipal no dia 30 de junho desse ano, mas foi retirado a pedido do líder de governo, vereador Luiz Rossini, porque faltava a avaliação do terreno.

Na última segunda-feira, o vereador Rossini disse ao Informa Campinas que, feita a avaliação pela Cohab, o projeto está voltando para a pauta, agora em regime de urgência. Isto significa que, provavelmente, entra em discussão e votação em uma das sessões da próxima semana.

Falta estrutura
Mesmo produzindo há mais de 10 anos, a Horta Comunitária do Itajaí ainda não está estruturada: "não tem banheiro, a gente, da Associação Cio da Terra, agora está construindo. Não tem uma cozinha para lavar os alimentos, não tem um local adequado para estar estocando os alimentos, quando a gente colhe. Precisa ter um lugar onde por, sem que tenha nenhum risco de rato ou coisa assim. Não é estruturada, a gente sobrevive na base de resistência, infelizmente", relata Marcos Oliveira, presidente da Cio da Terra.

Marcos diz que, até essa semana, a Horta do Itajaí não tinha ligação de água, era irrigada pela própria nascente do Itajaí. Mas, nessa seca, a quantidade de água diminuiu muito. "Desde que o governo Jonas assumiu, em 2013, o poder público nunca mais fez absolutamente nada pela Horta do Itajaí. Só agora eu consegui duas ligações de cavalete agrupado para atender a Horta", destaca o presidente da Associação, citando que a água foi ligada há dois dias.

Ele conta que a entidade está construindo um banheiro biodigestor, que ainda não está pronto. "Se fosse pedir conexão para a rede de esgoto da Sanasa, eles cobrariam o preço fechado e teria que ter uma ligação de individual para a Associação, o que seria muito caro. A ligação individual, sem desconto, seria 4 mil e pouco, e a rede de esgoto e ligação de esgoto individual sairia seis mil e pouco. Infelizmente esse dinheiro a Associação não tem em caixa".

Outro trabalho importante que a Associação Cio da Terra tem feito para viabilizar o trabalho na horta comunitária é a busca de doações de ferramentas, como revela Orlando dos Santos: "a grande maioria das pessoas não tem condições de ficar adquirindo equipamentos e ferramentas para trabalhar. Então, a Associação consegue algumas doações, principalmente do comércio local, e isso é importante para os produtores, porque eles deixam de gastar quando recebem como doação as ferramentas de trabalho".

Quanto ao apoio financeiro da Prefeitura para instalação de outros suportes necessários para a produção e proteção da área, segundo Marcos, ficou só na promessa por enquanto. A tela e o alambrado, que foram até orçados pela Secretaria do Verde, ainda não chegaram.

Produção agroecológica
O nutricionista e assessor voluntário da Cio da Terra, Orlando Batista dos Santos, explica que objetivo da Associação é incentivar o uso de espaços públicos ou privados para a produção de alimentos agroecológicos.

"Não importa o tamanho do espaço, pode ser até horta caseira, a Associação está à disposição para auxiliar, para incentivar mesmo. E o foco, além da segurança alimentar, é também um cuidado com o meio ambiente. A segurança alimentar inclui alimentos isentos de agrotóxicos, ou seja, na dificuldade de que seja essa produção considerada orgânica [porque teria que ser documentada, e isso não é simples], então a produção é agroecológica. E, para quem adere como associado, tem toda a orientação nesse sentido".

Orlando diz que a Horta Comunitária do Parque Itajaí e a Associação Cio da terra são "muito bem aceitas" pela comunidade que lida com agroecologia e pelas pessoas em geral. "Nós temos instituições como Embrapa, Unicamp, Cati, muitos parceiros, vamos dizer assim, que acolheram esse projeto e até hoje têm um carinho todo especial por esta proposta".

Para ele, a Horta Comunitária é muito importante não só para as famílias dos produtores, mas também para a comunidade em geral, que adquire os produtos sem agrotóxicos. "As pessoas que atuam na horta estão fora do mercado de trabalho. Várias pessoas são aposentadas, outras sem emprego mesmo. Tanto os cadastrados quanto seus familiares atuam no espaço, produzindo os alimentos, primeiro alimentos que vão consumir e, segundo, o excedente que vai para a venda", detalha.

A venda é feita para instituições parceiras e para pessoas da cidade, principalmente moradores do Campo Grande. Entre os parceiros, Orlando cita o restaurante Raízes Zen e um espaço coletivo de consumo chamado Trocas Verdes, ambos de Barão Geraldo. "Além disso tem as feiras, que, quando ocorrem, também têm essa preocupação de apoiar", conta Orlando, esclarecendo que todos os parceiros compram os produtos também com o objetivo de apoiar o projeto.

Já os consumidores do entorno e de outros lugares da cidade compram porque valorizam a qualidade dos produtos: "são alimentos vivos, sem risco, não se usa veneno, então os consumidores do entorno procuram a horta e adquirem os produtos ali. E não é só do entorno Itajaí, é do entorno Campo Grande, Distrito Campo Grande, e muitas vezes até de fora, até gente do centro da cidade vem aqui adquirir produtos. Então falar da importância desses produtos, nem precisa, né?", argumenta.

Início espontâneo, em 2004
Orlando Batista dos Santos, morador do bairro Itajaí desde 1992, foi fundador e primeiro presidente da Associação Cio da Terra. É nutricionista, pós graduado em Farmacologia Clínica e está aposentado pela Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária).

"Seu Orlando" acompanha o projeto da Horta Comunitária do Parque Itajaí, desde 2004, "como voluntário, uma espécie de facilitador", afirma. Em entrevista ao Informa Campinas, Orlando conta a história do projeto desde os seus primórdios. Veja a seguir:

A Horta Comunitária do Itajaí, lembra Orlando, tem como precursor um projeto de 1997, do então vereador Carlos Signorelli, que cria o Programa de Horta Comunitária no Município de Campinas. A lei nº 9549 foi sancionada e publicada pelo prefeito Francisco Amaral em 10 de dezembro de 1997. (Confira aqui a Lei 9549/1997)

"O objeto desse projeto era as pessoas pobres e desempregados. Então se propôs liberar áreas públicas para que as pessoas pudessem estar produzindo seu próprio alimento e obter renda com o seu trabalho nas hortas. Criou-se, inclusive, todo um aparato de apoio ao projeto. A ideia era fazer propaganda em ônibus, propaganda ampla para que as pessoas se inscrevessem, foi criado um viveiro, a Ceasa esteve envolvida no projeto. Foi, assim, uma proposta muito ambiciosa. Mas, na prática, acabou não funcionando", relata Orlando.

A lei de Signorelli foi, depois, regulamentada pelo Decreto nº 14.288, da prefeita Izalene Tiene, em 11 de abril de 2003. Esse decreto cria a "Comissão Gestora do Programa de Hortas Comunitárias de Campinas", com a função de fazer "a definição das políticas públicas de gestão, assessoramento, orientação e aprovação da necessária distribuição de água, sementes e outros implementos agrícolas com recursos oriundos de convênios firmados pela Municipalidade". (Confira aqui o decreto 14.288/2003).

Nas palavras do Seu Orlando, o grupo deveria "por em prática a questão do uso do espaço público para hortas comunitárias". Ele lembra que, então, duas experiências aconteceram: "teve uma turma no bairro Lisa ou Lilisa, eu faço confusão, são bairros vizinhos, teve uma turma lá e outra turma aqui no bairro Itajaí, onde é esse projeto atual. Mas aquela forma de 2003 não teve um desfecho assim como se previa". Ou seja, a proposta "não foi para a frente. Estacionou".

Na prática, de acordo com Orlando, a Horta do Itajaí tem seu início em 2004, com o trabalho do Sr. João Novaes. "Sozinho, ele começa a fazer canteiros lá no espaço da Horta do Itajaí. Então, é nesse momento que eu passo a acompanhar. Ele vai chamando outras pessoas e começa uma iniciativa mais espontânea mesmo da população. As pessoas vão aderindo aos poucos e, alguns anos se passam, de tal forma que, em 2009, esse trabalho acaba sendo reconhecido e ganha o prêmio RAC-Correio Popular", o que lhe dá visibilidade.

Em 2010, dentro do projeto AgriUrb do governo federal, "que era exatamente a realização de assentamentos urbanos para a produção de alimentos", a Prefeitura de Campinas faz um convênio com o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).

"Aí o projeto do espaço da Horta Itajaí ganha um vigor em função disso", expõe Orlando, citando que a ideia era assentar mil famílias em Campinas sob a tutela desse convênio. Mas, dessas possíveis mil famílias, "apenas 12 foram de fato assentadas em função desse convênio, e essas 12 aqui na Horta do Itajaí", relata o assessor da Cio da Terra, que, na época, encaminhou a criação da Associação "para atender algumas demandas paralelas" do convênio Prefeitura-Incra.

Informações da Prefeitura
O Informa Campinas enviou (na terça-feira, 24/08) solicitação de informações à Equipe Técnica do I Plano de Segurança Alimentar e Nutricional. Uma das questões foi sobre a "Estruturação de um sistema de produção de alimentos de forma sustentável", com "orçamento fixo para o projeto".
Perguntamos de que forma esta estruturação, que está prevista no Plano de Segurança Alimentar, poderá ajudar hortas comunitárias (como a do Itajaí) a resolverem suas dificuldades?

Mas, infelizmente, até o fechamento desta reportagem, as informações não foram enviadas. Quando chegarem, serão publicadas.

(*) Este texto foi alterado às 16h30 desta sexta-feira, 27/08, para duas correções, por solicitação das fontes. Confira o texto original e as alterações na seção Erramos

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