Sérgio Bisogni diz que gestão pública vai continuar; vereadores debatem risco de desestruturação do SUS e queda na qualidade dos serviços

18 10 20Foto: Reprodução | Transmissão ao vivo pela TV Câmara

O debate aconteceu na reunião extraordinária da Comissão de Política Social e Saúde da Câmara Municipal, realizada na manhã desta segunda-feira, 18/10. Pela Rede Mário Gatti, participou o seu presidente, Sérgio Bisogni, a diretora jurídica, Daniela Calado, e o diretor técnico de Urgência e Emergência pré-hospitalar, Steno Pieri.

As vereadoras Mariana Conti e Guida Calixto, assim como os vereadores Paulo Haddad (presidente da Comissão), Cecílio Santos, Luiz Rossini e Eduardo Magoga, apresentaram questões sobre o processo de contratação de uma entidade ou instituição para assumir a administração dos recursos humanos da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Campo Grande.

De acordo com a apresentação feita por Sérgio Bisogni, cinco entidades se inscreveram dentro do prazo dado pelo edital (30/09 a 13/10). A análise das propostas tem a "economicidade" como principal critério: sairá vencedora aquela que oferecer o maior desconto percentual sobre o valor teto de R$ 16,5 milhões anuais, ou seja, aquela que oferecer os serviços pelo menor valor.

Questionamentos
Entre as várias questões apresentadas pelas vereadoras e vereadores, quatro temas ganharam destaque. O primeiro foi a própria proposta de terceirizar a contratação de pessoal para a prestação dos serviços de saúde, lembrando todos os problemas ocorridos no Hospital Ouro Verde quando esteve terceirizado para a Vitale Saúde, além da perspectiva de a UPA Campo Grande ser a primeira de uma série de outras privatizações no SUS de Campinas.

Outro tema presente nas perguntas de diferentes vereadores/as foi a qualidade dos profissionais que passarão a atender a população na UPA, citando-se a dificuldade de contratação e permanência de profissionais colocada pela própria direção da Rede Mário Gatti, o risco de haver alta rotatividade e de colocação de estudantes no atendimento sem o devido acompanhamento de professores.

O aumento das dificuldades para conseguir um funcionamento integrado dos serviços dentro do Sistema Único de Saúde foi outro tema, com base no fato de os Centros de Saúde estarem trabalhando dentro da lógica dos serviços públicos e de que o atendimento da UPA passaria a seguir a lógica da iniciativa privada, o que poderia favorecer um distanciamento cada vez maior.

Em todos esses pontos, apareceu a preocupação com a qualidade dos serviços de saúde, tornando-se este um tema presente em toda a discussão, com questionamentos que foram desde o critério de seleção de uma das entidades inscritas (a que cobrar o menor valor pelos serviços) até a contratação temporária que pode não atrair bons profissionais e uma possível avaliação da eficiência mais pela quantidade do que pela qualidade do trabalho realizado.

Além dos questionamentos, os vereadores Cecílio Santos e Guida Calixto, ambos do PT, manifestaram também o seu estranhamento quanto ao fato de a Rede Mário Gatti não ter ainda um quadro de cargos e carreiras que possa viabilizar a realização de concurso público, como foi alegado pelos representantes da autarquia. (veja abaixo)

"Isso, para mim, é um absurdo", disse Guida, citando que a Rede Mário Gatti foi criada em 2018, que o atual governo é de continuidade do governo de Jonas e que, portanto, nem tudo foi de fato utilizado para evitar que se chegasse à situação atual, o que mostra a decisão agora de contratar serviços de terceiros como uma opção política.

As respostas
Entre as muitas declarações e explicações dadas por Sergio Bisogni e por Daniela Calado, podem ser destacadas:

SUS X terceirização
>> Bisogni: "Eu não acredito na desestruturação do SUS por conta de parceria com entidade privada. Essa pandemia nos mostrou que, se não fosse essa parceria em nossa cidade, nós teríamos passado momentos extremamente complexos". Sobre estas parcerias, Bisogni citou os convênios feitos pela Secretaria Municipal de Saúde com a PUC, Santa Casa de Campinas, Casa de Saúde Vera Cruz, Samaritano e Beneficência Portuguesa.

>> Bisogni: "Então, na minha opinião, isso não chega a desestruturar, porque nós não estamos terceirizando gestão. A gestão continua da Rede Mário Gatti, com todo controle, nós estamos contratando RH para suprir um problema emergencial".

>> Bisogni: "Não vai ser possível, a menos que mude muito esse País, você ter orçamentação para trabalhar o SUS exclusivamente com funcionário público. O comando tem que ser do SUS, o comando é do funcionário público, mas nós vamos ter que ter o apoio das parcerias privadas qualificadas".

>> Daniela: "Uma empresa parceira do SUS que entra vai prestar um trabalho, a nossa expectativa é essa, dentro das conformidades que ela está acostumada com a diretrizes do SUS, vai ter o nosso gestor SUS lá dentro, então não é uma terceirização, eu não estou dando nenhum poder para quem está lá e não estou entregando o serviço para um terceiro. O serviço é nosso, nunca vai deixar de ser nosso".

Economicidade
>> Daniela: "A gente faz um cálculo de servidor público de reposição como 1.3, considerando afastamento, folga, essas coisas todas. A gente colocou 1.0 lá, porque a empresa vai ter que repor esse funcionário nesse período. Então, nesse ponto também a gente tem garantida essa economicidade, porque eu não vou pagar um outro funcionário, não vou pagar hora extra. Ele tem aquele custo, o risco é da empresa".

>> Daniela: "Com relação aos valores, também, a gente tem garantida dupla economicidade. Quando a gente pegou o valor da contratação por concurso e já tirei 10%, o que nós fizemos com isso? Garantimos um mínimo de 10% de economia, isso é o mínimo. Só que, como o critério de escolha é o percentual de desconto em cima desse valor que a gente colocou já com desconto, eu vou ter dois descontos em cima do valor".

Erros do passado
>> Daniela: "O passado serve para a gente estudar, aprender e tentar não repetir os erros. Quando se passou toda a administração do Hospital Ouro Verde na época, a gestão inteira dele, para um terceiro, é um tipo de controle, é um tipo de liberdade que deu naquela situação que todo mundo se recorda porque é um passado recente".

>> Daniela: "Então, o projeto da Rede Mário Gatti foi o de colocar a gestão pública como prioridade e essa nunca seria transferível para ninguém, independente do tipo de vínculo que eu faça".

>> Daniela: No Ouro Verde, "a gestão é de servidor público, todo o acessório é público, a estrutura é nossa, o fornecimento de medicamentos, exame diagnóstico, tudo, tudo é público, o público controla tudo. São pequenas intervenções que são da iniciativa privada, mas a gestão é sempre do público, e isso se mostrou muito eficaz".

>> Daniela: "A gente hoje está ampliando a gestão pública lá, colocando mais servidores para fazer esse controle, e esse modelo que funcionou lá é o modelo semelhante, mas com relação ao Campo Grande acho que é muito mais premente a questão da parceria e do uso da complementaridade do SUS".

Quadro próprio de cargos
>> Daniela: "O problema que a gente tem hoje não é propriamente a lei 173 [Lei Complementar nº 173/2020] com relação à reposição, que nem é aplicável a nós. O nosso problema é que nós não temos os cargos da Rede Mário Gatti criados. A gente precisa de uma lei, fazendo todo esse dimensionamento, criando esses cargos".

>> Daniela: "Então, para resolver isso, foi feito esse projeto e encaminhado para o município. Mas é complexo, é um projeto muito difícil, porque eu não crio só o cargo, eu crio toda uma carreira para o funcionalismo".

>> Daniela: "...eu só vou poder trazer esse processo de criação aqui para a Câmara em 2022. Passando esse projeto, até fazer o concurso, pelo menos um ano vai. Não tem condição, a gente precisava de alguma coisa para garantir a assistência à população enquanto isso".

>> Bisogni: "Em dois anos, o que nós vamos fazer? Vai depender do que nós fizermos de plano, do orçamento que eu tiver para repor, e a gente estudar a situação. Não é ideia, não é ideia, falaram 'eu vou usar de modelo e vou implantar isso para todo lugar'. Não é isso. Eu não quero, não posso admitir para mim mesmo e para meu grupo, a desassistência. Isso é terrível, é muito difícil".

>> Bisogni: "Não vai deixar de ser feito isso [criação dos cargos], até porque o Tribunal de Contas nos cobra severamente. Esse ano, houve uma mudança no compromisso de prestação de contas para o Tribunal de Contas, que é mensal, não é mais anual. Isso nós temos uma marcação cerrada".

>> Bisogni: "Isso vai acontecer, infelizmente vai demorar. A gente sabe os trâmites burocráticos, como é difícil, como a passagem por todas as instâncias legais, concurso, e eu estou preso a um negócio que se chama orçamento. Eu não posso fazer nada além do limite do orçamento".

Complementar ao SUS
>> Daniela: "A gente não tinha opção, não dava para fazer concurso agora, e a contratação em Regime Administrativo Especial dos servidores temporários não funcionou". Segundo Daniela, não funcionou porque a evasão na área médica é muito elevada: "a gente não consegue segurar isso, desde que a saúde é saúde".

>> Bisogni: "Hoje, a empresa privada tem substituições mais ágeis do que a gente consegue. Como nós não conseguimos repor todos os funcionários, se você tem um quadro completo, você fixa mais gente do que se a pessoa tem que trabalhar por três".

>> Daniela: "Então o que nós pensamos de planejamento? Vamos usar a lei orgânica do SUS, que permite essa complementaridade. A gestão vai ser sempre do servidor público. Os chefes, a gente teve na época discussões sobre isso, a chefia ali, na gestão, é sempre pública, eles vão trabalhar para o público, a diretriz é do SUS, não existe liberdade nenhuma para quem vai atuar lá alterar diretriz do SUS, fazer qualquer coisa fora do SUS".

>> Daniela: "Nós usamos a premissa do chamamento e da complementaridade justamente porque a gente queria selecionar um empresa parceira do SUS, isso é essencial. Porque que a gente pediu o CEBAS [Certificação de Entidade Beneficente de Assistência Social em Saúde]? Para a empresa ter o CEBAS, ela tem que ter um percentual altíssimo de trabalho no SUS. Salvo engano 60% de prestação de serviços no SUS, então é uma empresa parceira, prestadora de serviços no SUS, certificada pelo próprio Ministério da Saúde como parceira do SUS e já tem essa experiência".

>> Bisogni: "A nossa interação com as UBSs [Unidades Básicas de Saúde] eu acho que é bastante boa, e a gente vai conseguir suplantar e melhorar a qualidade do atendimento".

Estudantes
>> Bisogni: "Quanto à parte que nós pusemos de ensino, a gente tem que entender o seguinte: o Hospital Mário Gatti é hospital de ensino, foi conseguida essa qualificação junto ao Ministério da Saúde em 2004, e isso é muito claro para a gente. Hoje, para todos terem uma ideia, acredito que os vereadores saibam, nós temos 4.000 estudantes que rodam a Rede Mário Gatti, entre médicos residentes, residência multiprofissional, internos, escolas técnicas de enfermagem, faculdade de nutrição, de fisioterapia, de fonoaudiologia".

>> Bisogni: "Eu garanto para vocês que nós não vamos usar estudantes para substituir profissionais, o que nós precisamos é que as empresas que entrem lá saibam que nós temos estudantes e vai ter que ter assistência, eles têm que aceitar esse estudante como um complemento".

>> Bisogni: "Então, existe até lei municipal do treinamento em serviço, dentro das entidades, isso é comum. Então, hoje nós temos na [UPA] Anchieta a Unicamp com estudantes lá dentro e com preceptores deles, temos outras faculdades de medicina, inclusive a PUC com um número menor, a São Leopoldo Mandic, enfim eu tenho um número enorme de estudantes."

>> Bisogni: "Quando nós tentamos qualificar, foi exatamente isso, que fique bem claro, e isso nós podemos discutir com detalhes, não tem nada a ver com substituir posto efetivo por estudante, isso precisa ficar muito claro. E a gente acha que o estudante qualifica o serviço, ele exige do médico, exige atualização, ele vive aquele momento".

>> Daniela: "Essa questão do ensino, a gente tem várias instituições de ensino que são conveniadas, então vem um supervisor com ela, a gente não vai deslocar ninguém para fazer esse trabalho, vem um professor junto."

>> Daniela: "Na hora que eu coloco um estudante dentro daquela unidade, e ele faz um estágio, ele aprende, ele começa a atuar ali dentro, o ambiente do SUS para ele é familiar, então a expectativa que eu tenho quando esse profissional se formar é de que ele venha trabalhar no SUS, ele incorpore, ele fique naquela unidade".

Assistente social
>> Daniela: "Quando a gente faz esses processos, todas a jornadas que têm carga específica, reduzida, elas são respeitadas. Tem dispositivos nesse termo de referência que fala 'todas as disposições legais, especiais, têm que ser atendidas'. Então, quando eu coloco lá o posto de trabalho de assistente social, já é computado que são 30 horas, então a empresa que colocar ali sabe que vai ter que trabalhar com um número maior de funcionários para aquele posto de trabalho, porque a jornada reduzida é de observância legal".

Qualidade dos serviços
>> Bisogni: "Se vai perder qualidade, eu acho que não. Nós estamos fazendo tudo para que não se perca qualidade. Agora, vai ter uma avaliação desses dois anos. De repente, fala, 'olha, realmente, vocês estavam certos, eu estava errado', alguém vai ter que dar o braço a torcer aqui. Mas eu acho que o que eu disponho legalmente, que disponho factivelmente de ser feito agora é isso".

>> Daniela: "A gente tentou fechar com tudo que a lei dava de alternativa para a gente, para a gente conseguir botar uma empresa parceira do SUS, com a gestão sendo nossa, sendo do SUS, que seguisse todos os protocolos e diretrizes".

>> Daniela: "Fizemos todo um trabalho técnico - que a equipe do Dr. Steno fez com brilhantismo - de estabelecer em minúcias como tem que ser feito o atendimento para a população, como que eu vou mensurar a qualidade, a gente vai ter o processo de oitiva do usuário para mensurar esse trabalho também, para garantir que eu estou conseguindo colocar ali o profissional para atender essa população com qualidade e com o menor custo possível até que a gente consiga implementar todas as legislações acessórias que a gente ainda não tem".

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