Campanha pela revogação está sendo feita por docentes, estudantes e servidores técnico-administrativos; título foi concedido em 1973

Unicamp pela DemocraciaVídeos com depoimentos de professores em defesa da revogação estão no canal da Adunicamp no YouTube - Imagem: Divulgação

O Conselho Universitário da Unicamp (Consu), órgão máximo de decisão da universidade, vai analisar e votar em sua reunião desta terça-feira, 28/09, a proposta de revogação do título de Doutor Honoris Causa concedido ao coronel Jarbas Passarinho em 1973. O pedido de revogação, feito pela Associação de Docentes da Unicamp (Adunicamp), foi encaminhado junto com uma série de documentos reunidos no "Dossiê Unicamp pela Democracia".

O movimento "Unicamp pela Democracia" foi realizado, nos últimos quatro meses, pelo Grupo de Trabalho de mesmo nome composto por representantes da ADunicamp, Associação de Pós-Graduação da Unicamp (APG Unicamp), Diretório Central dos Estudantes (DCE Unicamp) e Sindicato dos Trabalhadores da Unicamp (STU). Em abril desse ano, o Conselho Universitário da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) também revogou o título Doutor Honoris Causa dado a Jarbas Passarinho em 1973.

"O gesto simbólico de revogar uma honraria a um fiel servidor da ditadura militar (1964-85) justifica-se não só por razões de ordem moral, política, histórica e teórica, mas também por repudiar todos os atuais discursos em favor do autoritarismo", diz o documento divulgado pelo GT Unicamp pela Democracia.

Além de recolher documentos para embasar o debate, o GT Unicamp pela Democracia promoveu uma campanha com o objetivo de informar, debater e mobilizar a comunidade universitária. A campanha era necessária, no entendimento dos membros do GT, devido ao fato de uma proposta de revogação deste título não ter sido aprovada pelo Consu, em 2014, por falta de apenas um voto: foram 49 favoráveis, 10 contrários e 10 abstenções. Esse tipo de proposta precisa de 2/3 dos votos para aprovação.

Com lançamento realizado no dia 08 de junho/2021, a campanha realizou ações que incluíram desde abaixo-assinado na internet até depoimentos de professores em vídeo e notas de ex-reitores. No texto do abaixo assinado, o GT Unicamp pela Democracia recupera o papel desempenhado por Jarbas Passarinho durante a ditadura militar (1964-1985) e pede ao Conselho Universitário a revogação do título, considerando que "Jarbas Passarinho não tem nenhuma qualificação acadêmica, científica, política e moral para figurar entre os Doutores Honoris Causa da Unicamp".

Os ex-reitores José Tadeu Jorge (2005-2009 e 2013-2017), Hermano Tavares (1998-2002) e Carlos Vogt (1990-1994) enviaram suas manifestações de apoio ao pedido. Da mesma forma, outros doutores Honoris Causa também expressaram seu apoio à campanha. Este é o caso de Elza Salvatori Berquó, que foi aposentada compulsoriamente da Universidade de São Paulo (USP), por força do Ato Institucional nº 5 (AI-5). Elza é fundadora do IFCH-Unicamp.

Sobrevivência da universidade
De acordo com o professor Wagner Romão, que é representante dos docentes no Conselho Universitário, o Estatuto da Unicamp, no capítulo "Dignidades Universitárias" prevê que sejam agraciadas com esse título “pessoas que tenham contribuído, de maneira notável, para o progresso das ciências, das letras ou das artes” e, ainda, “aos que tenham beneficiado, de forma excepcional, a humanidade ou tenham prestado relevantes serviços à Universidade”.

No documento que divulgou declarando seu voto favorável à revogação da honraria ao "herói da ditadura", Wagner explica que, em 1973, o título foi proposto pelo então reitor Zeferino Vaz, "no contexto de um regime de exceção e numa universidade ainda frágil - era parte da estratégia de Zeferino Vaz para proteger a Unicamp, que ele estava construindo".

Para Wagner. a concessão do título a Jarbas Passarinho, "que mandou 'às favas os escrúpulos de consciência' na edição do AI-5, marca um período de sombras na história da Universidade no Brasil, em que dirigentes das universidades concediam honrarias aos seus próprios algozes como estratégia de sobrevivência política".

Na época, conforme esclarece o GT Unicamp Pela Democracia, que recupera revelações feitas pela Comissão da Verdade e Memória “Octavio Ianni” da Unicamp (2013-2015), "docentes, estudantes e servidores sofreram prisões, torturas (físicas e psicológicas), interrogatórios, ameaças constantes e constrangimentos diversos por parte dos órgãos de repressão". As pressões resultaram inclusive em demissões de docentes universidade.

Atualmente, segundo o GT Unicamp Pela Democracia, com as tentativas de regressão social e ruptura da ordem democrática cada vez mais frequentes, incluindo "ataques à ciência, à cultura e à educação, sob forma de cortes de verbas, notícias falsas e atribuição de cargos a pessoas sem a devida qualificação ética ou acadêmica", a Unicamp deve fazer o "gesto simbólico de revogar uma honraria a um fiel servidor da ditadura militar (1964-85)".

Tal gesto significa repudiar "qualquer ato de violação aos direitos humanos que constranja o desenvolvimento da pesquisa e a liberdade de expressão no meio acadêmico", assim como "assumir, claramente perante a sociedade, o repúdio a todos os discursos e iniciativas que defendem o negacionismo, o obscurantismo, a censura ideológica e a regressão política do país a um regime autoritário no qual se pratica a tortura e os assassinatos políticos", destaca o documento que angariou assinaturas pela pela revogação do título Doutor Honoris Causa do Cel. Jarbas Passarinho (veja aqui o abaixo-assinado).

Mais informações
Documentos do Dossiê Unicamp pela Democracia
Texto "A repressão militar na Unicamp: prisões, torturas, demissões e ameaças"
Texto do prof. Dr. Wagner Romão: Sobre a revogação do título de "Doutor Honoris CAusa", concedido pela Unicamp a Jarbas Passarinho em 1973
Inauguração da Placa-Totem que homenageia os membros da comunidade acadêmica que foram punidos pela ditadura militar

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