Vereadora foi chamada de "preta lixo" por pessoas no plenário enquanto defendia aprovação da Lei sobre o Conselho Municipal da Comunidade Negra; Câmara também abriu investigação

Paolla BO 2 09 11Registro do BO foi feito por Paolla na manhã desta terça-feira, 09/11 - Foto: Reprodução | vídeo na página da vereadora

No final da manhã desta terça-feira, a vereadora Paolla Miguel (PT) foi até o 1° Distrito Policial de Campinas para registrar um Boletim de Ocorrência sobre a injúria racial que sofreu durante a reunião da Câmara Municipal nesta segunda-feira, 08/11. Paolla foi acompanhada pelas vereadoras e vereadores Guida Calixto, Mariana Conti, Cecílio Santos e Gustavo Petta, além de seus assessores e advogados.

"Eu, enquanto figura pública, sofro este tipo de ataque, estou tendo visibilidade, mas isso não é exceção. Vários meninos e meninas recebem esses ataques todos os dias e não conseguem ter a repercussão que tem aqui hoje. Então, é muito importante que a gente consiga fazer dessa dor uma luta, para a gente buscar os culpados e, assim, pelo menos tentar constranger as outras pessoas quando elas forem fazer esse tipo de ofensa também", afirmou Paolla no vídeo gravado ao sair da delegacia e postado nas redes sociais.

O ataque verbal dirigido a Paolla veio de um grupo de cerca de 40 pessoas que estavam no plenário desde o início da sessão, protestando contra o chamado passaporte da vacina. Embora não estivesse na pauta qualquer votação sobre passaporte da vacina, os manifestantes tentavam apoiar um pedido de urgência feito pelo vereador Nelson Hossri (PSD) para um projeto de sua autoria sobre o assunto.

A expressão "preta lixo" foi ouvida pelos vereadores e vereadoras durante o discurso de Paolla em defesa da aprovação do Projeto de Lei nº 245/20, com emenda, que "dispõe sobre o Conselho de Desenvolvimento e Participação da Comunidade Negra e sobre o Fundo Municipal de Valorização da Comunidade Negra". Veja, a seguir, a transcrição das falas dos vereadores no momento da agressão.

Injúria racial
-- Paolla Miguel: "[...] Aqueles que andam com carros caros na cidade de Campinas e definem o rap como sendo uma música de "mano", e depois se retratam falando que isso é uma piada, na verdade isso é, sim, o racismo. E é por isso que a gente precisa ter o Conselho da Comunidade Negra sendo aprovado hoje nessa Casa, para que a gente consiga mais ...
-- Zé Carlos: Eu solicito à vereadora Paolla um tempo para mim. Alguém na platéia disse uma besteira. Nós estamos gravando a sessão, nós vamos buscar as imagens...
-- Gustavo Petta: Presidente!
-- Zé Carlos: ... e quem falou vai pagar...
-- Gustavo Petta: Presidente, pela ordem!
-- Zé Carlos: Pois não, vereador!
-- Gustavo Petta: Nós estamos ouvindo aqui manifestações racistas. Racismo é crime. Eu quero essa requisição dos vídeos, da captação do som, porque nós vamos apurar, identificar e botar na cadeia, botar na cadeia.
-- Zé Carlos: Obrigado, vereador. Já vieram três vereadores aqui falar desse racismo que aconteceu aqui dentro. O pessoal da TV Câmara grava neste momento e já vai separando estas imagens, quem fez isso vai pagar. A gente está pedindo com educação, a gente tem pedido... As imagens falam por si. Vocês fiquem tranquilos que as imagens falam por si, e eu vou expor aqui na Câmara quem foi que falou essa bobagem".

De acordo com a divulgação feita pela Diretoria de Comunicação da Câmara Municipal, a instituição repudia o "ato repugnante" e fará apuração para identificar seus autores. O vereador Zé Carlos, presidente da Câmara, "se mostrou indignado com a situação e determinou que sejam analisados todos os vídeos – tanto de segurança quanto da TV - e áudios da sessão na tentativa de identificar responsável ou responsáveis pela injúria racial", publicou o portal da Câmara.

O crime de injúria racial se dá com a ofensa baseada na raça, cor, etnia, religião, idade ou deficiência. Além de estar previsto no parágrafo 3º do artigo 140 do código penal, foi considerado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em julgamento no dia 28/10/21, como equiparável ao crime de racismo. Com isso, passou a ser julgado como prática de racismo, que "constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão", conforme estabelece o artigo 5º da Constituição.

Por falar em racismo...
No momento em que recebeu o ataque, Paolla se referia justamente à outra manifestação considerada racista ocorrida na última quinta-feira, 04/11, que teve como protagonista a secretária de Cultura de Campinas, Alexandra Capriolli. Sobre esta ocorrência, uma "nota de repúdio" foi publicada, no domingo, 07/11, pelo ComCult (representação da sociedade civil no Conselho Municipal de Política Cultural).

O documento do ComCult relata que, em um vídeo publicado no seu perfil no Instagram, Alexandra "aparece em um carro da marca Porsche, dirigido por seu filho, que escutava música do Rapper americano Notorious B.I.G.". Na postagem, segundo o texto do ComCult, ela "ironiza o fato do filho dirigir um carro de luxo e ouvir música de 'mano', dizendo 'Adianta ter Porsche e escutar música de Mano', ao se referir ao estilo musical RAP, um dos 5 elementos do Hip Hop".

Na nota, que é assinada por Andrea Aparecida de Jesus Mendes, presidente do Conselho Municipal de Política Cultural, o ComCult diz repudiar "qualquer fala racista e classista que se direcione contra um gênero musical legítimo como o Rap ou contra seus adeptos".

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08/11/2021 - CoMCult repudia fala da secretária de Cultura que desqualifica Cultura Preta e periférica