Representantes das Promotoras Legais Populares, do projeto Mulheres Invisíveis e do Coletivo Juntas participaram da discussão na Comissão Permanente da Mulher

Com Mulher 1 22 10Foto: Reprodução | TV Câmara

"A gente convocou esta reunião para discutir a questão da saúde menstrual e da pobreza menstrual. É um tema que vem sendo discutido há muito tempo por vários coletivos que vêm desenvolvendo inclusive trabalhos de distribuição de absorventes, mas esses coletivos também discutem a necessidade de essa distribuição ser uma política pública. Então, a nossa reivindicação é para que o direito de acesso aos absorventes seja uma política pública".

Com esta fala, a vereadora Mariana Conti (Psol), presidente da Comissão Permanente da Mulher, iniciou a reunião realizada nesta sexta-feira, 22/10, às 15h, na Câmara Municipal. Ainda na abertura do encontro, Mariana lembrou do veto do presidente Jair Bolsonaro ao projeto da deputada Marília Arraes (PT-PE), que tinha sido aprovado na Câmara e no Senado Federal.

O projeto "definia a necessidade de distribuição de absorventes pelo governo federal, e a gente acompanhou com muita indignação o veto", disse Mariana, destacando que a alegação de falta de orçamento e de que teria de tirar dinheiro da saúde e ducação, demonstra muita ignorância.

"A distribuição de absorventes é uma necessidade do ponto de vista da garantia do direito à saúde, sobretudo para mulheres em situação de vulnerabilidade, população em situação de rua, mulheres em situação de cárcere, mulheres de baixa renda", afirmou a vereadora.

Segundo ela, o mesmo acontece no caso da educação: "é uma política de educação, são milhões de meninas que, todos os meses, muitas vezes deixam de ir à escola porque não têm absorventes durante o fluxo menstrual e acabam tendo o seu direito à educação prejudicado".

Além da presidente Mariana Conti, participaram da reunião as vereadoras Paolla Miguel e Guida Calixto, ambas do PT, que também são membras da Comissão, assim como representantes dos vereadores Paulo Bufalo, Cecílio Santos, Gustavo Petta e Debora Palermo.

Das organizações de mulheres, participaram: Magali Mendes, da Associação Cida da Terra - Promotoras Legais Populares de Campinas e Região (PLPs); Yandra Ribeiro dos Santos, do projeto Mulheres Invisíveis; e Tamires Arantes, do Coletivo Juntas, de São Paulo.

"Menstruar com qualidade"
A Promotora Legal Popular, Magali Mendes, explicou que "menstruar com qualidade é saúde". Se para as mulheres adultas, o fato de não poder descartar de forma higiênica a menstruação é um grande problema, disse Magali, imagina para uma adolescente.

"A infância, a adolescência e a juventude - e nós mulheres começamos a menstruar com 8, 9 anos - trazem algumas questões que nos impedem de ter uma vida plena, e a menstruação, quando ela não é bem atendida, bem acondicionada, ela impede as mulheres de fazerem uma série de coisas", destacou a PLP, indicando que, além de prejudicar a saúde e a educação, a falta de acesso a este item básico afeta também o direito à liberdade, especialmente de adolescentes e jovens.

Isto, no caso das mulheres que "estão aqui fora". De acordo com Magali, pior ainda é a realidade dentro do presídio feminino: "você imagine uma mulher em situação de cárcere, com a sua liberdade restrita, dentro de uma cela com mais dez, vinte, trinta mulheres, imagine você dentro de uma cela com outras mulheres todas menstruando e sem condições de terem absorventes".

Ela relatou que as Promotoras Legais Populares, junto com o Coletivo de Mulheres Negras Lélia Gonzalez, vêm fazendo campanhas de arrecadação de absorventes e materiais de higiene básica, desde abril do ano passado, para levar às cerca de 300 mulheres do presídio feminino de Campinas.

"Junto conosco, apoiando a nossa campanha, além da própria vereadora Mariana, nós temos o pessoal do [grupo] Cupinzeiro e do Mulheres pela Justiça. No mês passado mesmo, a OAB [Ordem dos Advogados do Brasil] fez uma campanha enorme e doou todos os absorventes para que nós pudessemos levar ao presídio", disse Magali, fazendo a ressalva de que "isso não é o suficiente", deveria haver uma política pública que garantisse o material de higiene cotidianamente.

Mulheres Invisíveis
Yandra Ribeiro dos Santos contou que o projeto Mulheres Invisíveis foi criado, em 2019, como trabalho escolar dela e mais duas amigas, quando estudavam o 2º ano do Ensino Médio no Culto à Ciência. Segundo Yandra, o nome "Mulheres invisíveis" se deve ao fato de as pessoas passarem todos os dias perto das mulheres em situação de rua e não enxergarem, nem pensarem sobre elas.

"Nosso projeto surgiu basicamente de a gente olhar para as pessoas em situação de rua e perceber que o básico, que a gente tem, é luxo para o outro. Isso não deveria acontecer porque são itens de higiene básica, produtos de higiene menstrual no geral são itens de saúde pública, são ítens que todos deveriam ter acesso", defendeu Yandra.

Ela disse que, para as pessoas em situação de extrema pobreza, a menstruação não é prioridade: "porque não tem como ser, e isso é violência. Quando você tira a possibilidade de uma mulher que está lá, nas ruas, sem a possibilidade de escolher entre o alimento ou comprar um pacote de absorvente, é assim desumano, sinceramente é desumano, é uma violência".

Machista e misógino
Tamires Arantes, do Coletivo Juntas, de São Paulo, analisou o veto de Bolsonaro à distribuição de absorventes como um "reflexo concreto da ideologia misógina, da ideologia machista". Para ela, não entender hoje que este "é um debate sobre a saúde das pessoas que menstruam, sobre uma necessidade básica das pessoas que menstruam, é a materialização desse machismo".

O problema nesse momento, segundo Tamires, é a situação em que se encontram as famílias diante do aumento exorbitante de preços no supermercado, do desemprego e de empregos precarizados. "Sabemos, aqui, para falar de mulheres e de pessoas trans, que esse é também o público que está hoje nos postos mais precarizados de trabalho na sociedade".

Ela explicou que pobreza menstrual não é só ter ou não ter o acesso ao absorvente. O debate do tema, conforme afirmou, tem de abranger desde o direito à moradia e o acesso à água potável para se tomar banho e fazer a higiene básica até o acesso a outros tantos produtos, como o papel higiênico, por exemplo.

"A pobreza menstrual é algo muito maior do que ter ou não absorvente, mas ficou materializado nesse veto e queremos chamar a atenção para esse debate", afirma Tamirez. E foi exatamente para chamar a atenção da sociedade que o Coletivo Juntas fez uma ação no centro da cidade de São Paulo, há poucos dias: uma grande distribuição de absorventes para as mulheres em situação de rua, junto com a deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP) e o padre Julio Lancellotti.

Depois esta ação passou a ser feita em vários estados, contou Tamirez: "fizemos uma vaquinha online para poder organizar isso como uma política nossa permanente, para ser uma ação permanente do nosso coletivo, junto com um abaixo-assinado que hoje passa de 150 mil assinaturas, ou seja está todo mundo contra esse veto, porque ele é um absurdo".

Audiência pública
As vereadoras Paolla Miguel e Guida Calixto falaram sobre a importância de se desenvolver políticas públicas visando à erradicação da pobreza ou indignidade menstrual. Sobre o projeto que protocolou na Câmara, Paolla citou como uma das justificativas o aumento do desemprego e o preço do absorvente, que subiu em torno de 40%.

"Como que, neste momento, as mulheres vão conseguir comprar um item tão caro da higiene pessoal, sendo que elas foram as primeiras a perderem os empregos e, muito provavelmente, vão ser as últimas a retornarem, justamente por serem as mulheres as responsáveis pelo cuidado, o cuidado da casa, dos irmãos, dos pais, ou muitas vezes dos parentes, dos amigos?", perguntou Paolla.

O projeto de Paolla será debatido, junto com outros projetos sobre o assunto, na Audiência Pública que está marcada para a terça-feira, 26/10, às 9h. A vereadora Guida Calixto explica que a realização da Audiência Pública também foi "provocada, incentivada, pleiteada" por um Grupo de Trabalho (GT) de Mulheres que faz parte do Conselho Municipal de Saúde.

Conforme destacou Guida, esse GT analisou todos os projetos sobre o tema que tramitam na Câmara, e as mulheres que o compõem virão participar da mesa da Audiência Pública, "justamente para tentar dialogar sobre qual é o melhor projeto, aquele que possa de fato representar essa demanda importante".

Ao final da reunião, a vereadora Mariana Conti propôs a apresentação de uma moção, em nome da Comissão da Mulher, para o governo do Estado e para a Secretaria de Assuntos Penitenciários, cobrando a distribuição de absorventes dentro do presídio feminino de Campinas como item de higiene básica.

Assista ao vídeo com o conteúdo completo da reunião: Reunião Ordinária da Comissão Permanente da Mulher - 22/10/2021

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