Lucimara de Jesus coordena o coletivo criado para promover ações e empoderamento de mulheres líderes comunitárias no Ouro Verde

Lu 8Lucimara no espaço-biblioteca do Coletivo de Educação Popular Dona Maria

São mulheres de vários bairros, quase todos da região do Ouro Verde: Campo Belo, Aparecidinha, Satélite Íris, Jardim Santo Antonio, Bassoli, Filadélfia, Ocupação Mandela, Dic IV, Sumaré e "acho que faltou alguma, mas depois eu lembro para você", conta Lucimara de Jesus, citando os nomes de todas elas.

Quando fala da Maria, do Bassoli, comenta: "eu também faço parte do Bassoli, mas aí eu puxei uma liderança de lá, não que ela fosse, mas para ela se tornar uma liderança, se empoderar para ajudar a gente nas demandas".

Se empoderar e compartilhar vivências, conhecimentos, problemas e também as soluções, sem distinção de cor ou raça, nem de idade ou de estado civil. Para fazer parte do Coletivo de Mulheres Lideranças, só tem que ser mulher e ter "atitude", ou seja, vontade de descobrir possibilidades e passar a fazer e acontecer na comunidade e com a comunidade.

"Sim, foi por esse motivo que criamos esse Coletivo de Mulheres, assim sem essa distinção, para que todas possam compartilhar ideias, trabalhos e se ajudarem", diz Lucimara, lembrando que o Coletivo foi criado "a partir dessa necessidade mesmo de as mulheres estarem juntas", principalmente "por conta dos machismos" que precisam enfrentar.

Além de algumas reuniões e atividades presenciais, o grupo se encontra nas redes sociais e, a todo momento, num grupo de whatsapp, sempre puxado por Lucimara, que levanta os questionamentos, "por conta assim da pouca experiência delas nesse sentido, de fazer essa rede, essa conexão com as demais".

Segundo Lucimara, algumas mulheres são casadas, mas a maioria é solteira e tem a visão de que umas devem poder contar com as outras. "A gente procura assim passar para essas que são casadas que o que elas querem elas podem, dentro daquilo que não prejudique o próximo. Quer fazer parte dos projetos, quer ajudar as pessoas? Você pode! Quer estudar? Você pode! Porque você acha que não pode?".

A coordenadora explica que os questionamentos são para fazer com que elas lutem pelo que querem. "Quem pode me impedir de querer estudar? De querer fazer parte de um projeto, de fazer uma atividade, de ser mais participativa, de conhecer mais sobre x ou sobre y? Quem pode impedir e porque querem impedir?".

Fundo Agbara
Recentemente, Lucimara foi contemplada pelo Fundo Agbara, que faz parte do Projeto Agbara - Potencializando Mulheres Negras. De acordo com a divulgação feita pelo projeto, o Fundo Agbara é constituído por doações, com valor mínimo de $20 por mês, e o total arrecadado é entregue a uma ou mais mulheres a cada mês. O objetivo do "1º Fundo de Mulheres Negras do Brasil" é fomentar empreendimentos de mulheres negras e indígenas "viabilizando independência financeira e emocional".

O apoio do Fundo Agbara, segundo Lucimara, veio por causa do trabalho com o Coletivo de Educação Popular Dona Maria, que realiza uma série de atividades com as mulheres, desde a manutenção de uma biblioteca até reuniões sobre os direitos das mulheres e oficinas para se aprender a desenvolver produtos (biscuit, bijouteria etc).

"A gente aprende aqui mais na prática, mas eles trazem uma teoria que coincide com o que a gente faz, e muito mais, porque a gente aprende várias outras coisas com a experiência dos outros também, de outras localidades, e é muito bom", comenta Lucimara. Para ela, o Fundo Agbara "empodera muito" e "não é só bom como é importante", tanto pelo aprendizado quanto por proporcionar momentos de recarregar as forças para continuar.

Comunicação
Lucimara, que é coordenadora do Coletivo Dona Maria e participa, junto com seu filho, do Coletivo Bassoli dos Nossos Sonhos, convidou todas as Mulheres Lideranças para a atividade de revitalização do espaço da Maloca Arte e Cultura, que fica na Vila União. No início de 2020, a Maloca estava oferecendo 42 cursos e atividades para a comunidade, todos gratuitos. Depois veio a pandemia...

"Já providenciamos as camisetas das mulheres, vamos todas devidamente uniformizadas, para poder registrar o que a gente está fazendo, a organização, porque isso é importante para incentivar e inspirar outras mulheres, outras pessoas que têm vontade e não sabem que existe a possibilidade de se organizar para fazer várias coisas", destaca, chamando a atenção para a importância da comunicação.

Pensando em ampliar a troca de informações e a integração entre as pessoas e grupos da região, Lucimara criou, no final de junho, a página de facebook Ouro Verde em Movimento. "Essa página é uma forma tanto de atrair quanto de provocar as pessoas com relação a essa coisa da comunicação. Se a gente não se comunica, não sabe o que acontece de fato. E, se a gente não sabe o que acontece, não tem como fazer diferente, mudar alguma coisa".

Para Lucimara, o mais importante é "as pessoas encontrarem uma forma de conhecer", principalmente de conhecer "o que é um projeto, como é que funciona, porque os projetos são importantes, qual é a sua importância". Ela diz isso tendo como referência o período da pandemia, que "mostrou a importância dos pequenos projetos."

Solidariedade
Entre as atividades realizadas pelas Mulheres Lideranças em seus bairros, a principal delas tem sido a de socorrer famílias que estão passando necessidades neste período de pandemia. Lucimara conta que "a Prefeitura não estava conseguindo entender a dimensão das demandas", porque "as pessoas não foram ao CRAS (Centro de Referência de Assistência Social) procurar saber como é que elas iam atrás de uma cesta básica".

Sendo assim, ela pergunta, "como eles iam poder estar cadastrando as pessoas para fazer esse atendimento?". De acordo com o seu relato, desde o início da pandemia, as lideranças se mobilizaram: "fizemos os cadastros das famílias, e um grupo grande, acho que tinha aproximadamente umas 15 pessoas mobilizadas na arrecadação, a gente criava eventos, compartilhava. Às vezes os alimentos vinham para cá, a gente higienizava com álcool, montava as cestas e distribuía".

Daí foram surgindo as parcerias, por exemplo, com o Instituto Elos e com a Cufa (Central Única de Favelas). "No Bassoli, a gente atendeu mais de 500 famílias. Aqui, nessa região nossa [Jardim Santo Antonio], ficou em torno de 50, porque esse foi o número de cadastros que a parceria nos concedeu, é o que eles disponibilizaram para a gente enquanto doação. No Campo Belo, a gente está trabalhando os cadastros agora, uns 80 cadastros, para a Cufa atender com as cestas".

As parcerias vêm, procuram, afirma Lucimara, "porque conhecem o trabalho, sabem que a gente têm o contato direto com as famílias, que a gente conhece, sabe quem são as famílias, porque a gente vai na casa, recebe a família no espaço". Este "espaço" é a sala aonde funciona o Coletivo de Educação Popular Dona Maria, que fica no andar de baixo da casa de Lucimara. No local, estantes cheias de livros indicam que ali também há uma biblioteca.

Bibiotecas populares
Para cada distribuição de doações, forma-se um grupo de zap, que tem a função de passar informações sobre aquela doação, mas, após a entrega, as pessoas são convidadas a permanecerem no grupo. Então muitas outras informações vão sendo repassadas: vagas de emprego, cursos de qualificação profissional, "links onde as pessoas podem se cadastrar para a possibilidade de outras doações" e também convite para virem conhecer o "espaço" do Coletivo Dona Maria, no caso do Jardim Santo Antonio, ou outros espaços de projetos nos outros bairros.

No Dona Maria, Lucimara diz que já abriu o espaço "mesmo que alguns cuidados tenham que ser tomados. Aí as pessoas vêm de máscara, tem alcool gel aqui para esse cuidado, escolhe um livro. Se quiser, pode perguntar alguma coisa". Ela avalia que agora o Coletivo Dona Maria está mais fortalecido, porque "muitas pessoas que não tinham conhecimento do espaço passaram a ter desde a troca do gás [doação de botijões de gás], quando eu formei o grupo" [de zap].

Amante dos livros, Lucimara conta que está convidando professoras para participarem de um novo grupo: "minha ideia com elas é de nos articularmos para que a gente faça um projeto voltado às crianças com os livros, de leitura e incentivo a estudar". A proposta é, principalmente, trazer algumas professoras para interagir com os outros projetos.

"Sobre os livros, eu quero assim ver com elas a possibilidade de a gente estar se articulando e ajudando as outras Mulheres Lideranças com os seus espaços, para montar bibliotecas". Quanto a conseguir livros, a proposta é "fazer eventos e pedir para as pessoas".

E quem vai trabalhar com as crianças e adolescentes nas bibliotecas, já que as professoras já têm um trabalho "muito árduo" na escola? Lucimara, novamente tem a solução: "a gente consegue se articular e atrair jovens, que estão na fase aí de aprendizado, também para ajudar nos projetos, nesses coletivos, ajudar com uma leitura... Uma leitura com as crianças já ajudaria tanto! Já incentivaria eles a se aproximarem mais dos livros, a ter mais vontade de ficar ali folheando, conhecendo, lendo..."

Ações conjuntas
O mutirão para revitalização da Maloca não foi a única ação conjunta realizada pelo Coletivo de Mulheres Lideranças e coletivos parceiros. Um outro mutirão foi feito no final de junho para ajudar a limpar, plantar e organizar a horta da Comunidade Menino Chorão, no Campo Belo, onde atua a líder comunitária Carmen Souza. Como a horta sofreu um incêndio criminoso no dia 4 de julho, um novo mutirão foi feito em seguida para refazer a plantação.

Outro trabalho conjunto, este organizado internamente no Coletivo de Mulheres Lideranças, é a ida semanal ao Ceasa para fazer a "captação de hortifrútis e entregar às famílias". Neste caso, cada semana a arrecadação é destinada ao bairro de uma das lideranças comunitárias, como relata Lucimara:

"Toda semana, quinta ou sábado, a gente vai nos boxes, perguntando se tem algum material assim para descarte. Não, não é um material ruim, são frutas e legumes em perfeitas condições de uso. A gente vai, faz toda a arrecadação, montamos as sacolinhas e aí acontece a entrega".

Arrecadação de alimentos doados pela população é mais uma atividade conjunta feita pelo Coletivo, como o pedágio beneficente realizado no dia 15 de agosto, na Rua Waldemar Bristote, no Dic 6, quando o pedido foi de um quilo de alimento não perecível a todos os carros que circularam pelo local. Toda a arrecadação desse dia foi destinada às famílias do Bassoli.

Quem é Lucimara
Ela se define como "uma mulher que aprendeu bastante coisa até o momento". E fala firme, sem pensar duas vezes: "o que eu aprendi é para ser compartilhado, tanto com outras mulheres assim em termos de questões de vivência, como com todas as outras pessoas. Eu quero que compartilhem comigo o saber, o conhecimento, e quero compartilhar com todos também outros saberes e conhecimentos".

Um desses saberes que vieram da vivência é a não aceitação do machismo. "Eu vivi a minha infância vendo a minha mãe sendo muito maltratada pelo meu pai, e a minha irmã apanhando do marido. Eu não quero que as mulheres vivam isso, ninguém merece", revela Lucimara, contando que, ao se deparar com o machismo e a violência em seu primeiro casamento, chutou o balde.

"Aquela situação que eu estava vivendo com o pai desses meninos era uma situação de extrema violência, chegar bêbado e dar martelada nas coisas, quebrar e ameaçar, não, não dava, eu não ia viver a mesma situação da minha mãe e minha irmã".

Deu um jeito de ir para outra cidade, onde trabalhou com carrinho de cachorro quente. Passado muito tempo, voltou para Campinas, casou-se de novo e ficou trabalhando com coleta e venda de material reciclável, "porque a minha mãe já levava a gente quando era criança para rua, para trabalhar com reciclagem, e a gente vivia praticamente disso, era o nosso sutento".

Quase 20 anos depois do segundo casamento, separou-se novamente: "não, não estamos mais juntos, porque, na medida em que eu fui entendendo o que é ser uma mulher empoderada, tendo conhecimento de várias questões, eu prefiro ficar sozinha, eu e meus filhos, porque tenho mais liberdade para trabalhar com os projetos".